Um novo tipo sanguĂneo extremamente raro, identificado em uma paciente da ilha de Guadalupe, tem chamado atenção da comunidade mĂ©dica. Batizado de Gwada-negativo, ele Ă© resultado de uma mutação genĂ©tica atĂ© entĂŁo desconhecida e já foi reconhecido como o 48Âş sistema sanguĂneo oficialmente aceito pela Sociedade Internacional de TransfusĂŁo de Sangue.
A descoberta foi comentada pelos pesquisadores Martin L. Olsson e Jill Storry, da Universidade de Lund, em artigo publicado no The Conversation. Especialistas em medicina transfusional, os dois explicam como esse novo grupo sanguĂneo foi identificado por cientistas franceses, apĂłs um caso incomum de incompatibilidade em testes de transfusĂŁo.
Reações inesperadas e investigação genética
- O caso teve inĂcio quando os mĂ©dicos tentavam encontrar um doador de sangue compatĂvel para uma mulher caribenha.
- O problema surgiu porque o plasma da paciente reagia contra todas as amostras testadas, incluindo as de seus prĂłprios irmĂŁos.
- Esse comportamento levantou a hipĂłtese de um tipo sanguĂneo inĂ©dito.
- “Muitas pessoas conhecem seus tipos sanguĂneos — A, B, AB ou O — e se sĂŁo Rh-positivo ou negativo. Mas essas categorias representam apenas dois de várias dezenas de sistemas sanguĂneos conhecidos”, explicam os autores.
- Esses sistemas refletem pequenas, porĂ©m importantes, diferenças em molĂ©culas que recobrem a superfĂcie das hemácias.
- Sem encontrar respostas nos exames tradicionais, os pesquisadores franceses recorreram ao sequenciamento completo do exoma, técnica que analisa todos os genes codificadores do corpo humano.
- A análise revelou uma mutação no gene PIGZ, responsável por produzir uma enzima envolvida na adição de açúcares a estruturas das membranas celulares.

O que define o Gwada-negativo
Essa mutação genĂ©tica impede a formação completa de uma molĂ©cula chamada GPI (glicosilfosfatidilinositol), resultando em uma alteração estrutural nas cĂ©lulas vermelhas do sangue. Isso gera um novo antĂgeno, ou seja, uma nova assinatura molecular que define o grupo sanguĂneo. Assim, pessoas com o antĂgeno sĂŁo classificadas como Gwada-positivas; quem nĂŁo o possui, como Gwada-negativas.
“Usando tecnologia de edição genética, a equipe confirmou a descoberta recriando a mutação em laboratório”, relataram Olsson e Storry. O experimento comprovou que todos os doadores testados eram Gwada-positivos, enquanto a paciente de Guadalupe segue sendo a única pessoa identificada como Gwada-negativa até o momento.

Implicações mĂ©dicas e possĂveis conexões genĂ©ticas
O novo tipo sanguĂneo nĂŁo Ă© apenas uma curiosidade laboratorial. A paciente apresenta deficiĂŞncia intelectual leve e já perdeu dois bebĂŞs ao nascer, o que levanta a hipĂłtese de que esses efeitos estejam ligados Ă mutação no gene PIGZ. Os autores lembram que mutações em outros genes associados Ă produção de GPI já foram relacionadas a transtornos neurolĂłgicos e natimortos.
“Ainda nĂŁo Ă© possĂvel afirmar se a mutação do PIGZ está diretamente ligada a esses sintomas, mas ela representa uma peça importante nesse quebra-cabeça genĂ©tico”, destacam os pesquisadores no artigo.
Um desafio para a medicina transfusional
Casos como o da paciente caribenha expõem os limites da medicina transfusional atual. Como nĂŁo há doadores Gwada-negativos conhecidos, ainda Ă© incerto o que ocorreria em uma transfusĂŁo com sangue Gwada-incompatĂvel. AlĂ©m disso, mesmo que existam outras pessoas com o mesmo tipo, elas seriam extremamente difĂceis de localizar.
Uma possĂvel solução para situações como essa pode estar no futuro da biotecnologia. “CĂ©lulas sanguĂneas cultivadas em laboratĂłrio, geradas a partir de cĂ©lulas-tronco com mutações especĂficas, podem se tornar uma alternativa viável”, afirmam os autores.
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O papel da genĂ©tica na diversidade sanguĂnea
O Gwada-negativo Ă© mais um exemplo de como a genĂ©tica humana pode surpreender a ciĂŞncia. Os grupos sanguĂneos evoluĂram ao longo do tempo, em parte como mecanismos de defesa contra agentes infecciosos. Por isso, o tipo sanguĂneo pode influenciar a suscetibilidade a diversas doenças.
“Cada novo grupo sanguĂneo descoberto amplia nossa compreensĂŁo da diversidade humana e traz novos desafios para a medicina personalizada”, concluem Olsson e Storry. Com o avanço das tecnologias de sequenciamento genĂ©tico, a expectativa Ă© que outros grupos sanguĂneos extremamente raros continuem surgindo, exigindo soluções cada vez mais personalizadas.
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