Robert Hunt: o mestre da lábia que enganou o mundo como falso astronauta da NASA

Em janeiro de 1989, a Associação de Aeronaves Experimentais de Boston recebeu um convidado especial: um homem jovem, carismático e de presença marcante, que se apresentou como Capitão Robert J. Hunt, da Marinha dos EUA e astronauta da NASA

Vestido com um macacão azul da agência espacial, ele narrava em detalhes uma suposta experiência pilotando caças F/A-18, participando de missões ultrassecretas no ônibus espacial Atlantis e enfrentando manobras extremas e perigosas. Para convencer os presentes, Hunt até exibia pedaços de material queimado que dizia ter coletado da reentrada da espaçonave na atmosfera.

A plateia, composta por entusiastas da aviação e do espaço, ouvia fascinada as histórias. Mas, respostas vagas a perguntas técnicas e o linguajar um tanto chulo, pouco condizente com a imagem típica de astronauta, acabaram despertando certa desconfiança em algumas pessoas. Ainda assim, de forma geral, o público ficou encantado, e Hunt saiu daquele evento aclamado como um herói e uma lenda viva.

Durante anos, Robert Hunt convenceu a todos que podia de que era um astronauta da NASA. Imagem meramente ilustrativa elaborada com Inteligência Artificial. Crédito: Flávia Correia/Olhar Digital/ChatGPT

Obsessão pelo espaço e influência do pai constróem uma vida de mentiras

Acontece que nada daquilo era real. Ele nunca havia pilotado aviões militares, muito menos participado de missões espaciais. Na verdade, não possuía sequer carteira de motorista ou de piloto. 

Desde a infância, Hunt era movido por uma obsessão pelo espaço e pelo universo militar. Inspirado pela cobertura televisiva do pouso dos astronautas da Apollo 11 na Lua quando tinha sete anos, sonhava em ser como eles, imitando desde cedo os uniformes da Marinha e delirando sobre batalhas e missões secretas. Seu pai, Leo Hunt, também vivia em um mundo de fantasia, relatando façanhas militares que nunca aconteceram e influenciando o filho – mas, sem imaginar a proporção que isso tomaria.

Entre as aventuras relatadas por Robert Hunt, ele teria participado de missões a bordo do ônibus espacial Atlantis. Crédito: Shutterstock – Imagem gerada por IA

Ao longo da década de 1980, Robert tornou-se especialista em forjar identidades. Embora tenha tentado ingressar nos Fuzileiros Navais e sido dispensado, ele se apropriou de documentos falsos, uniformes comprados ilegalmente e insígnias, simulando uma carreira militar e uma história impressionante. 

Criou uma empresa de fachada, vendeu produtos fictícios e arquitetou diversos golpes, tudo sustentado por seu charme e poder de manipulação, que também encantava as mulheres. Ele teve quatro casamentos, todos envoltos em mentiras, com as esposas sendo vítimas em falcatruas financeiras e traições. O último foi em agosto de 1988, com Ann Sweeney, engenheira da Polaroid, que acreditou nas promessas de sucesso e status daquele homem que conheceu em um encontro às cegas apenas quatro meses antes.

Golpe atravessa fronteiras

A farsa de Hunt atingiu o ápice em dezembro do mesmo ano, quando viajou para a Irlanda para visitar um cunhado. Durante o voo, seu comportamento e credenciais falsas impressionaram a tripulação, que o transferiu à primeira classe e até permitiu que ele entrasse na cabine do piloto. 

O golpista teve quatro casamentos – e enganou todas as mulheres com quem se envolveu. Imagem meramente ilustrativa elaborada com Inteligência Artificial. Crédito: Flávia Correia/Olhar Digital/ChatGPT

Ao desembarcar em Dublin, Hunt recebeu uma recepção oficial, com representantes do governo o dispensando da alfândega, uma banda tocando o hino nacional e cerimônias que o fizeram parecer um verdadeiro herói. Durante dias, participou de eventos oficiais, tomou chá com o prefeito da cidade e recebeu cidadania honorária.

Ele chegou a contar que seu casamento havia sido na Abadia de Westminster, privilégio concedido apenas à realeza britânica e a poucas personalidades, o que causou desconfiança em alguns, mas não o suficiente para desmascará-lo naquele momento. O falsário ficou hospedado em hotéis luxuosos, visitou castelos e pontos turísticos, ganhando diversos presentes, entre suéteres, cervejas e chapéus.

Quando voltou aos EUA, Hunt continuou dando palestras como astronauta, misturando jargões técnicos e histórias fantasiosas. Chegou a dar ao pai um uniforme militar para uma foto, sem perceber que os distintivos estavam invertidos e o quepe era incompatível. 

Aos poucos, as suspeitas começaram a crescer: uma cobrança de US$5 mil para um jato particular foi rejeitada pela American Express, que alertou a Polaroid, onde a esposa de Hunt ainda ocupava um bom cargo. A reputação construída durante anos começava ali a ruir, com a família de Ann tentando lhe abrir os olhos sobre as atitudes do marido, enquanto a cidade toda comentava.

Polícia investiga Hunt e expõe fraudes

Com as denúncias aumentando, o policial estadual Andrew Palombo iniciou uma investigação sobre o homem que se passava por astronauta. Uma das acusações dizia que Hunt havia visitado uma casa com uniforme completo da Marinha, convencendo um jovem a se alistar, e depois exigiu US$4 mil para usar “conexões no Pentágono” e conseguir uma dispensa.

Ao consultar o Serviço de Investigação Naval, Palombo descobriu que Hunt esteve apenas dois meses na reserva dos Fuzileiros, tendo sido dispensado após avaliação psicológica. A busca se aprofundou e revelou que o homem assumia várias identidades falsas e já havia extorquido dezenas de milhares de dólares. 

Sentindo-se acuado, Hunt tentou fugir. A esposa deixou o emprego na Polaroid porque ele alegou que estava sendo transferido para pilotar caças de uma base da Marinha no Havaí. Mas o casal sequer chegou ao aeroporto.

Identidades, certificados, medalhas, credenciais, uniformes… Provas dos golpes foram encontradas pela polícia na casa de Robert Hunt. Imagem meramente ilustrativa elaborada com Inteligência Artificial. Crédito: Flávia Correia/Olhar Digital/ChatGPT

Antes que isso pudesse acontecer, em 28 de janeiro de 1989 (algumas semanas depois da palestra citada no início deste texto), Palombo bateu à porta de sua casa, onde encontrou itens militares, uniformes de piloto, um capacete da NASA, distintivos policiais e fotos de Hunt ostentando medalhas da Guerra da Coreia – que aconteceu quando ele nem era nascido.

Hunt foi preso, acusado de furto e apropriação indébita. Uma carteira médica falsa, obtida na época em que era casado com uma estudante de enfermagem, também foi descoberta, assim como a origem dos uniformes – alguns obtidos ilegalmente em bases militares. Embora a NASA e o FBI tivessem confirmado que se passar por astronauta não era crime por si só, Hunt havia cometido outros delitos relacionados.

A prisão foi notícia nacional, chocando amigos, familiares e fãs. Ann, a então esposa, declarou estar em choque, sentindo que a pessoa que amava simplesmente desapareceu. Ela, que realmente acreditava estar casada com um astronauta, voltou para a casa dos pais, refletindo sobre as mentiras e os danos causados.

No tribunal, Hunt confessou os crimes e recebeu pena suspensa de dois anos. Ainda assim, tentou carreira política, mas Palombo manteve vigilância constante. Hunt fugiu novamente, continuou aplicando golpes e foi capturado em 1994, condenado por falsificação, desta vez cumprindo pena fechada. 

Palombo o perseguiu até 1998, quando morreu em um acidente de moto. Em 2005, leis mais rigorosas contra falsificação de condecorações militares foram aprovadas, e Hunt finalmente abandonou a vida do crime e decidiu reconstruir o relacionamento com seus pais.

Busca incansável de policial terminou na prisão do falsário. Crédito: Krakenimages – Shutterstock

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Falso astronauta reconhece erros e tenta recomeçar a vida

Hoje, vivendo sozinho em New Hampshire e trabalhando na construção civil aos 63 anos, Hunt lamenta as pessoas que machucou, especialmente suas ex-esposas, que acreditaram genuinamente em suas histórias. Ele restabeleceu os laços com o pai, Leo, agora com 88 anos e com a saúde debilitada. Afirma ter abandonado os sonhos espaciais e “crescido”.

Apesar disso, ainda se emociona ao lembrar dos dias em que usava o macacão azul da NASA, sentindo-se especial e diferente. Como os pardais que pintou de amarelo na juventude para vendê-los como canários, transformou suas decepções em algo extraordinário, tocando as estrelas por um breve e intenso momento – ainda que tudo tenha sido uma grande ilusão.

Para conhecer a história completa de Robert Hunt, clique aqui e acesse uma reportagem (em inglês) do jornalista Jeff Maysh, que entrevistou o falso astronauta em março deste ano.

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